Passatempos

Tonin, o ninja que veio da roça

12/03/2010 10:28

Primeira e Segunda temporadas (em ordem decrescente): Tonin - Charges.com.br

Robot Unicorn

09/03/2010 00:18

Pra você que é muito macho, aí vai um jogo maneiro: https://games.adultswim.com/robot-unicorn-attack-twitchy-online-game.html

Google sabidinho

20/02/2010 20:34

Vá até a página do Google e digite "político honesto". Ao invés de clicar em "Pesquisa Google", clique no botão ao lado "Estou com sorte". Aparecerá uma página de erro. Leia esta página atentamente. xP

Vídeos 

Textos

Descobertas de Eulália

06/04/2008 00:35

Uma menina bonita, de pele clara, olhos verdes e cabelos cor de mel brinca com seus amiguinhos na sala de casa. A festinha de aniversário de oito anos de Eulália havia sido mais esperada do que a chegada do Natal. Em uma tarde quente de início de verão na cidade de Celestina, Eulália mostrava a algumas amiguinhas seu vestido rosa com flores amarelas, que acabara de ganhar de presente do tio Álvaro. Sua mãe, Sofia, observava com certa distância a brincadeira das crianças.
Álvaro, que conversava com Sofia, chama Eulália para se despedir, pois tinha um compromisso. Eulália veio correndo, de encontro à mãe, tropeçando na mesinha de centro da sala. Ela não chega a cair, pois Álvaro de pronto a segura. Ele então fala alguma coisa no ouvido de Eulália e lhe entrega um bilhete, dando também um beijo na testa. Álvaro se despede de Sofia, se vira e sai pela porta, que demora a abrir, por um defeito na maçaneta.
Sofia vira-se para Eulália e diz:
– Vamos, filha, abra o bilhete e veja o que seu tio Álvaro escreveu!
Eulália então o abriu, lendo em voz alta:
– “Querida sobrinha! Quero mais uma vez lhe dar os parabéns pelo seu aniversário! Saiba que te amo muito, mesmo não sendo seu tio de verdade! Agora feche esse papel e vá correndo no jardim ver o que tem lá! Um beijo, minha princesinha!”
Eulália não se deu ao trabalho de dobrar o papel, jogou-o nas mãos de Sofia e correu para o jardim. Lá, teve uma surpresa: ali estava a bicicleta que ela tanto queria, cor-de-rosa, com estrelas enfeitando. Não notara que seu tio ainda estava por perto e logo voltou para dentro, falando em tom mais alto que o normal:
– Mãe! Ganhei a bicicleta! Tio Álvaro me deu – puxava a blusa de Sofia – Olha só pela janela, como é bonita!
Sofia sorri, olhando com carinho para Eulália. Ela já sabia do presente, é claro. Então, reparou que havia um rasgo no vestido da filha:
– Lalinha – Sofia a chamava pelo apelido carinhoso – seu vestido rasgou. Deve ter sido na hora em que você quase caiu. Menina levada, já disse que é para parar de ficar correndo por aí!
Eulália, com os olhos já brotando lágrimas, olhava para sua melhor amiga, Bianca, que vinha caminhando em sua direção. Bianca então disse:
– Não tem como costurar? Linha e agulha não servem?
Sofia assentiu e disse:
– Vocês duas, vão lá em cima e peguem minha caixinha de costura, deve ter alguma linha da cor do vestido e agulha. A caixinha está na segunda gaveta da penteadeira, perto da cama.
As duas então se viraram e logo passaram pelos amiguinhos, subindo as escadas rapidamente. Ao chegar ao quarto da mãe, Eulália foi em direção à penteadeira. Bianca olha na direção contrária, onde o guarda-roupa de Sofia estava aberto, expondo seus vestidos. Eulália olha para trás, e logo percebe que a amiga só estava encantada pelas roupas da mãe, voltando os olhos para a penteadeira. Ela abre a segunda gaveta e, em meio a muitos itens de maquiagem e grampos de cabelo, pega a caixinha de costura. Embaixo da caixinha havia um envelope azul, um pouco encardido com o tempo. O envelope chama a atenção de Eulália, que tenta adivinhar seu conteúdo. Seus pensamentos são interrompidos pela voz aguda de Bianca, que diz, em tom choroso:
– Nossa, sua mãe tem cada roupa bonita... Quando eu for moça quero ter roupas assim.
Eulália não dá atenção à amiga, que se dirige ao espelho da penteadeira, ajeitando os cabelos negros e cheios, fechando a gaveta que Eulália havia deixado aberta. Bianca chama com um gesto para as duas irem de volta à sala. Eulália, olhando em direção à penteadeira, fecha a porta, deixando claro em sua expressão a curiosidade da saber o que havia no envelope.
Chegando à sala, passam pelos amiguinhos novamente até chegarem à Sofia, que pega a caixinha de costura. Parecia estar aflita, perguntando à filha:
– Só tinha a caixinha lá, não é?
Eulália, parecendo perceber que não deveria ter visto o envelope, responde:
– Não, tinham também uns grampos de cabelo e pincéis de maquiagem.
Sofia, com um ar mais aliviado, diz, já com a caixinha aberta:
– Que bom! Aqui tem a linha da cor do vestido!
Sofia puxa a parte da saia do vestido de Eulália e costura em dois tempos. Também vê que já estava na hora de cantar parabéns, chamando as crianças para que se reunissem em volta do bolo que ela mesma havia preparado.
Todos já estavam indo embora, exceto Bianca, que iria dormir na casa de Eulália. Sofia arrumava a bagunça deixada pelas crianças, organizando também os presentes no canto da parede. Eulália aproveita a ocupação da mãe e chama Bianca para voltar até seu quarto.
– Mas por que você quer ir lá de novo? – pergunta Bianca.
– Tem uma coisa que eu vi lá na gaveta da caixinha de costura, eu quero saber o que é.
– E que coisa é essa?
– Lá em cima eu te mostro! Vamos!
Elas então sobem a escada depressa, mas silenciosamente. Eulália acende a luz e corre direto para a gaveta onde estava a caixinha de costura e o envelope. Antes mesmo de Bianca chegar, Eulália estava com o envelope nas mãos.
– Anda, abre logo, também quero saber o que tem aí dentro!
Mas antes de abrir, Eulália leu na parte de trás: “Para o meu amor, para a eternidade”. Virou as costas para Bianca e abriu o envelope. Dentro dele havia uma foto de um bebê, que ela logo soube não ser ela mesma, pela cor dos olhos – os do bebê eram negros – e uma outra foto, com uma moça bela e jovem, de cabelos lisos e pele morena clara. Ao lado da moça havia um rapaz, alto, bem mais moreno.
– Quem são as pessoas na foto, seus pais? – perguntou Bianca.
Eulália, com os olhos fixos na foto, respondeu:
– Não. É minha mãe sim, mas o moço é o tio Álvaro.
– Como você sabe?
– Já vi outras fotos da minha mãe quando jovem. E meu pai é loiro. – mostrando a foto em detalhes para a amiga.
As duas se assustam com o grito de Sofia, que lá de baixo avisa:
– Lalinha! Seu pai chegou!
Eulália então pega as fotos, o envelope e fecha a gaveta. Bianca a olha sem entender porque não botou o envelope de volta no lugar. Eulália guarda o envelope em um dos bolsos da jardineira de Bianca e a puxa pelo braço, descendo as escadas correndo. Lá embaixo o pai de Eulália lhe dá um abraço apertado, como quem não a via há anos.
– Como está a princesinha mais linda do mundo? – diz Paulo, o pai de Eulália.
– Que bom que você chegou, pai! Você demorou! Tio Álvaro foi embora tem um tempo e...
– Eu sei, meu amor – disse ele, a interrompendo – e também já vi o presente que ele lhe deu. Papai agora vai tomar um banho, mas daqui a pouco volto para falar com você.
Bianca observou-o, procurando pelo presente de Eulália, mas não vira nada. Eulália esperou os pais virarem as costas e pegou o envelope e as fotos do bolso de Bianca. Subiram para seu quarto, onde ficaram olhando pela janela o jardim escurecer com o cair da noite.

Andando de um lado a outro em seu quarto, Eulália pensava em algo que parecia deixá-la muito confusa. Já era uma linda mulher, quatorze anos depois daquela sua festinha de aniversário. Lembrava que no dia seguinte após a festinha, quando mostrou o envelope com as fotos a seu pai, que por sua vez o guardou consigo e disse que era para esquecer que aquilo existia. Começara a chorar, pois Paulo havia falecido há pouco mais de três anos, de doença. Até aquele dia não sabia do que se tratavam as fotos – seu pai não revelara nada sobre.
Bianca, que também era uma moça bonita – não tanto quanto Eulália – entrava no quarto da melhor amiga, já que tinha intimidade suficiente para fazê-lo.
– Que cara é essa? – pergunta Bianca ao perceber que a amiga tinha lágrima nos olhos.
– Estava lembrando do meu pai... E imaginando qual seria o motivo de me devolver o envelope azul com as fotos, pouco antes de morrer, dizendo que aquele fora o maior pecado de sua vida. Eu não entendo.
– Mas por que lembrar disso agora? – rebateu Bianca, ainda com sua voz aguda, mas seca.
– Bianca, meu pai morreu há três anos. Até hoje não sei a causa de ele ter dito aquilo. Até hoje não tive coragem de contar à minha mãe nem de abrir de novo o envelope.
– Ora, Lali, esqueça isso. Só te faz chorar. Além do mais...
– Não, Bianca! Era o meu pai! – Eulália cortou a frase de Bianca, em tom alto e rude – Eu o amava! Só queria entender porque ele me disse que aquilo era seu maior pecado.
Bianca a olha surpresa, Eulália nunca falou daquela maneira, continuando sem entender porque só após três anos a amiga foi lembrar daquilo.
– O que está havendo aqui? – entra Sofia no quarto, assustando as duas amigas.
– Nada, tia, eu e Lali só estávamos discutindo, nada demais.
A desculpa de Bianca não foi engolida pela mãe de Eulália, que percebera que algo estava errado.
– Vou voltar para confeitaria. Lalinha, você vem comigo? – perguntou Sofia.
Eulália havia herdado do pai a confeitaria Manoli, a mais cara da cidade de Celestina. Quem cuidava da confeitaria era sua mãe, cozinheira de mão cheia.
– Não, mãe, vou mais tarde. Bianca também vai comigo. – disse Eulália.
Sofia saiu do quarto, fazendo com que as duas amigas retomassem a conversa.
– Lali, sabe o que eu penso? Se isso te incomoda tanto, vá perguntar a sua mãe o porquê disso tudo.
– Eu já tentei, mas me faltou coragem. Não sei qual seria a reação dela, tenho medo.
– Eu prometo que vou te ajudar. Se quiser, posso até conversar com sua mãe – Bianca se formaria no ano seguinte em Comunicação Social – sabe que sou boa nisso.
– Não, se um dia eu quiser, eu mesma falo.
– Está bem. Vamos ver os preparativos da festa de ano novo de Celestina. O pessoal da UniverCel – Universidade de Celestina, na qual Bianca estudava – teve a idéia de sua mãe fazer os pães, salgados e doces.
– Como todo ano, não é? – Eulália já estava com uma expressão mais feliz.
– É, como todo ano se faz.
– Vamos à confeitaria ver os pedidos depois de amanhã, pois é véspera de Natal, minha mãe deve estar enrolada com os pedidos para hoje.
– Mas você não disse à sua mãe que iria hoje mais tarde?
– Sim, mas vou ficar aqui no meu quarto. Não estou com ânimo para sair.
– Vou para casa estudar. Sei que é época de férias, mas afinal de contas nunca é demais aprender.
– Concordo – disse Eulália, deitando-se em sua cama e sabendo que sua amiga estava apenas brincando – Mas acho que você não precisa saber muito de Anatomia para se formar. Amanhã nos vemos. Não se esqueça de me ligar à meia-noite para me desejar Feliz Natal.
Bianca sai pela porta, respondendo com um sorriso. Eulália não havia escolhido qual curso fazer, mas tinha muita afinidade com textos e números; ela tratava da contabilidade da confeitaria.

Na noite de Natal, Eulália aguardava sua mãe, a mesa preparada com muita fartura. Sofia entra pela porta, que há mais de quatorze anos tinha o mesmo defeito na maçaneta. Para surpresa de Eulália, sua mãe não voltara sozinha, com ela estava um rapaz bonito, alto e moreno, com olhos negros que pareciam enfeitiçar Eulália.
– Boa noite, filha. Esse aqui é Fernando. – disse Sofia, fazendo as devidas apresentações – Ele é o ajudante que eu contratei para me ajudar com os preparativos de fim de ano.
– Muito prazer, Eulália. – Fernando disse, obviamente já sabendo o nome da moça.
– O prazer é todo meu. – ela respondeu, mostrando as cadeiras em volta da mesa – Sente-se, fique à vontade.
Eulália estava ruborizada, encantada pela beleza do rapaz. Achou estranho, pois nunca havia reparado a beleza de um homem de tal maneira, à primeira vista. Tinha um jeito recatado e antigo, às vezes se vendo nas histórias de romances do fim do século XIX.
Eulália chama Sofia para ajudá-la com os pratos, mas na verdade queria perguntar o motivo da presença do rapaz. Um tanto eufórica, Eulália pergunta:
– Mãe, de onde esse moço veio? Por que ele está aqui?
– Filha, eu já disse, é o rapaz que eu contratei para me ajudar com os preparativos de fim de ano.
– Eu sei, mãe. Mas o que eu não entendi foi como e porque ele veio passar o Natal aqui em casa. A senhora nem o conhece direito...
– Esse moço está instalado na pensão da Dona Margarida e estava procurando um emprego. Não sei bem como veio para cá, mas imagino que seja para procurar pessoas que ele não vê há tempos. Dona Margarida comentou comigo sobre o rapaz e me disse que é bom moço. Como estava precisada de um ajudante, o contratei.
– Mas mãe, por que ele não passou o Natal com o pessoal da pensão? Por que o trouxe para cá?
– O rapaz é sozinho, filha. E há três anos passamos o Natal sozinhas, achei que o rapaz seria boa companhia. Além do mais, não sei por que está reclamando, percebi que notou a beleza do rapaz.
– Não estou reclamando, eu só...
Mais ruborizada, Eulália não sabia o que dizer. Ora, aquela era sua mãe! Por que ter vergonha da mulher que mais a conhecia no mundo? Sabia que Sofia estava certa.
As duas levaram os pratos à mesa e se sentaram, lado a lado, de frente para o rapaz. Eulália, não se contendo de curiosidade, perguntou ao rapaz o que ele veio fazer em Celestina.
– Vim à procura de pessoas que não vejo há muito tempo. Na verdade, são pessoas que sequer conheci. Procuro meus pais. – disse Fernando, em tom seco.
Envergonhada, a moça abaixa seus olhos verdes e começa a se servir. Sofia muda de assunto, comentando sobre o trabalho na confeitaria. Conversaram sobre nada além de contas, quantidade de pedidos e receitas de doces. Faltavam alguns minutos para a meia-noite, os três se levantaram para rezar. Mãe e filha não costumavam ir à Missa do galo. À meia-noite, desejam Feliz Natal uns aos outros. O telefone da casa toca e Eulália corre para atender.
– Alô?
– Lali! Feliz Natal! Eu disse que não ia esquecer de te ligar! – responde a voz fina e estridente.
– Eu sei, Bianca. Você nunca se esquece de mim!
– Deseje um Feliz Natal à sua mãe por mim! Venham vocês duas almoçar aqui em casa, já que vocês passam...
– O Natal sozinhas, eu sei. – rebate Eulália – Mas dessa vez não estamos só nós duas.
– Como não? Quem está aí?
– Minha mãe trouxe um rapaz que trabalha para ela na confeitaria.
– Que rapaz?
– Se chama Fernando. Minha mãe o contratou para ajudá-la nos preparativos de fim de ano.
– Como ele é?
– É um rapaz simpático, moreno, alto, olhos negros... Nunca tinha o visto antes.
– É bonito? – perguntava a eufórica Bianca – Quantos anos ele tem?
– Calma, Bianca! Você e esse fogo... Sossega!
– Você que é quieta demais! Mas me diz, ele é bonito?
– É sim, muito bonito.
– Jura? Mentira! Você, achando um homem bonito? É piada...
– Pára, sua chata! – Eulália estava ruborizada novamente – Depois do Natal vamos à confeitaria e você mata a curiosidade.
– Depois não! Vamos depois do almoço mesmo!
– Ai, Bianca! Você...
– Lali, tenho que desligar. Meu pai quer que eu vá rezar com ele. Beijos.
– Está bem. Tchau.
Depois de desligar o telefone, Eulália volta à mesa, onde ouve sua mãe dizer a Fernando que ele a lembrava alguém. Ele se levanta, olhando para o relógio.
– Aonde vai? – indaga Sofia.
– Me desculpe, mas tenho que ir. Tenho que voltar à pensão e pelo pouco que conheci de Dona Margarida, ela vai se deitar cedo até mesmo na noite de Natal. Não quero ficar trancado na rua.
– Pode ficar aqui se quiser.
– Não, prefiro não incomodar. Aqui moram duas mulheres, os outros podem falar mal. Tenham uma boa noite. – ao mesmo tempo, vira-se para Eulália – Mais uma vez, prazer em conhecê-la, moça.
Eulália não responde com palavras, mas com o olhar. Fernando abre a porta com dificuldade, por conta do defeito na maçaneta.
– Posso dar um jeito nisso, se quiserem. – ele observou o encaixe da maçaneta – Até.
Depois de bater a porta, Sofia se vira para a filha, com ar de satisfação:
– Bom moço o Fernando, não acha? Ele vai trabalhar até no Natal!
– É, mãe. É fácil ir trabalhar no Natal quando não se tem ninguém para estar junto.
– Te conheço, filha. Você gostou desse rapaz.
A bela moça sorriu, deu um abraço na mãe e foi se deitar.
 No fim da manhã seguinte, Eulália, que havia dormido um pouco além do esprado, foi acordada pela voz inconfundível de Bianca, que estava produzida até demais para a ocasião:
– Vem, Lali! Temos que ir lá para casa almoçar! Chame sua mãe também! Acorda!
– Está bem. Espere eu tomar um banho. Já vi que você se arrumou toda assim só para ir à confeitaria depois do almoço, não é?
– Depois do almoço nada! Vamos agora!
– Mas...
– Vá tomar seu banho. Você come algo na confeitaria.
De banho tomado e arrumada, Eulália sai com Bianca de casa. As duas caminham pela rua, onde Bianca cumprimenta uns amigos e outros mexem com Eulália, que nunca havia namorado ninguém de sua rua. A única vez que a moça se relacionou com alguém fora aos quinze anos, quando começava a cursar o ensino médio. O menino se mudou de Celestina e não deu mais notícias. Já Bianca sempre foi espevitada, havia namorado vários rapazes e nem virgem era, desde os dezessete anos. Eulália sabia de tudo o que a amiga já fizera, afinal as duas eram confidentes.
Chegando à confeitaria, que estava toda enfeitada com objetos de Natal, as duas deram de cara com Álvaro, que acabara de voltar de viagem.
– Tio Álvaro! Que surpresa! Veio passar o Natal conosco? – perguntou Eulália, que, mesmo com seu jeito recatado, demonstrava sua espontaneidade.
– Minha princesa! Agora é uma rainha... Como vocês cresceram! – disse ele, passando os olhos em Bianca.
– Pára, tio! Já tenho vinte e dois anos, sou adulta! E só tem dois meses que o senhor me viu pela última vez! Você é muito brincalhão!
– Titio sempre vai achar que você será uma eterna criança. Agora deixa o tio ir, passei aqui muito rápido, ainda tenho que...
– Mas tio, já vai? Por que não passou a noite de Natal com a gente?
– Já disse, filha... Desde que seu pai se foi só ficaram vocês duas sozinhas naquela casa. Os outros iriam falar mal se eu passasse a noite lá.
Aquela atitude fez Eulália se lembrar da noite anterior, quando Fernando disse a mesma coisa à sua mãe. Álvaro então acenou e foi embora. Bianca comentou que tio de Eulália era um homem muito bonito, parecendo até muito jovem em relação à sua idade. Ao mesmo tempo, Bianca viu o tal moço que a amiga havia lhe descrito.
– Nossa! Como ele é bonito! Estou apaixonada... – murmurou Bianca.
– Bom dia, Fernando! – disse Eulália, educadamente, sentindo Bianca apertar-lhe o braço – Sabe onde está minha mãe?
– Bom dia, dona Eulália. Bom dia, moça. – disse ele às duas – Sua mãe estava aqui ainda agora, conferindo os pedidos.
A moça estranhou o tratamento que Fernando lhe deu, ao passo que na noite anterior ele referiu-se a ela apenas pelo nome. Então agradeceu com o gesto de cabeça e um sorriso, puxando discretamente o braço de Bianca, que parecia estar caída de desejo pelo rapaz.
– Lali, espere sua mãe voltar! – bradou Bianca, soltando-se das mãos da amiga – Quero conferir os pedidos do pessoal da UniverCel ainda hoje!
– Não, Bianca. Temos que ir até sua casa, temos um almoço, se lembra?
– Mas, Lali... É... Fernando, seu nome, não é? Então, quer almoçar lá em casa?
Com um sorriso e percebendo a intenção de Bianca, Fernando responde:
– Não posso, ainda tenho muito trabalho por aqui. Agradeço o convite.
Bianca olha para Eulália com raiva, mas logo muda de expressão ao ver que a amiga olhava para Fernando de um jeito diferente, com um brilho nos olhos. No mesmo momento, foi saindo da confeitaria, passivamente, levando Eulália.
Eulália quis ir embora logo após o almoço na casa de Bianca. Ao invés de ir para casa, seguiu o caminho que levava à confeitaria. Sabia que quem ela queria ver certamente estaria lá. Seu andar era involuntário, uma força externa parecia carregá-la. No meio da rua parou: notara que estava se apaixonando. Seguiu o caminho, confusa, parte querendo ir para casa, parte querendo ver Fernando. Ela se perguntava por que estava sentindo aquilo, não havia acontecido assim antes! Pior, se apaixonando por um rapaz que acabara de conhecer. Quando voltou a si, já estava parada na porta da confeitaria. Certamente foi tomada pela vontade.
– Eulália – uma voz grave, mas suave, a chamava – sua mãe já foi para casa.
– Está bem... Eu... Vou... Vou embora – Eulália não sabia mais o que dizer; Fernando a deixou desconcertada.
– Espere – ele a segurou pelo braço – lembra-se que eu disse que poderia consertar a maçaneta?
Eulália afirmou com um gesto, olhando para as mãos de Fernando que tocavam-lhe o braço.
– Avise à sua mãe que farei isso amanhã de manhã, antes de vir para cá.
Novamente ela não respondeu com palavras. Ele se afastou e ela por um instante parecia ter virado estátua. Rapidamente a moça saiu da confeitaria, vindo a passos largos até chegar em casa. A primeira coisa que Eulália fez ao entrar pela porta foi pegar o telefone e contar a Bianca o que acontecera. Então, subiu para o seu quarto, onde ficou o resto do dia pensando no rosto de Fernando.

Às sete e meia da manhã seguinte Eulália já estava de pé. A moça tinha o hábito de acordar tarde. Sua mãe estranha ao vê-la àquela hora da manhã acordada, porém não faz nenhuma pergunta. Ao ver Sofia saindo de casa, Eulália diz à mãe que Fernando viria consertar a maçaneta e que havia esquecido de avisá-la no dia anterior. Sofia diz que a filha iria receber o rapaz, pois tinha que resolver alguns problemas. Eulália começou a ficar nervosa, pois ficaria sozinha com o rapaz que lhe roubara os pensamentos desde a noite de Natal. Estava tensa, quando às oito da manhã, exatamente, a campainha tocou. Eulália foi abrir a porta, já certa de que era Fernando.
– Bom dia, Eulália. Sua mãe está? – cumprimentou o rapaz.
– Não... Não está... É... Entre – ela mostrava claramente estar nervosa com a presença do rapaz – minha mãe disse que deveria recebê-lo. Aceita um café?
– Um café não, mas eu gostaria de um copo de água, por favor.
Eulália parecia estar na frente do príncipe encantado, estava surpresa com tamanha educação de Fernando. Foi até a cozinha e voltou com o copo de água, que estava tão gelada quanto suas mãos. Fernando agradeceu, bebeu a água e pôs o copo na mesinha de centro. Ele abre a caixa de ferramentas que trouxera e pega umas coisas que Eulália só tinha visto parecidas na garagem, todas enferrujadas, mas que não sabia para que serviam ao certo. Em menos de cinco minutos, ele termina o trabalho.
– Bem, é isso. Está novinha em folha. Quero dizer, novinha não, pois essa maçaneta me parece bem velha. – disse ele, rindo. – Quantos anos tem essa porta?
– É mais velha do que eu! – Eulália já estava mais calma – Esse defeito da maçaneta tem quase quinze anos, fui eu quem a quebrou. Nos acostumamos com o defeito. Na verdade, eu vou sentir falta, vou demorar a me acostumar com o novo defeito...
Os dois ficaram rindo, quando ele decidiu perguntar:
– Desculpe a curiosidade, mas quantos anos você tem?
– Acabei de completar vinte e dois. E você?
– Tenho vinte e três. Você me pareceu ser mais nova. É tão bonita...
Suas mãos pareciam se levantar, querendo acariciar a face de Eulália. Ela notou o gesto e virou o rosto, que expunha uma expressão envergonhada, mas ao mesmo tempo satisfeita. Ele, parecendo despertar, disse:
– Bem, devo ir embora, daqui a pouco tenho que trabalhar na confeitaria. Até uma outra hora.
– Espere! – ela gritou, parecendo estar desesperada – Sou curiosa demais e...
– Pode falar.
– Por que você veio procurar seus pais aqui em Celestina?
– Bem, sempre soube que fui adotado. Minha mãe, pouco antes de morrer, disse que meus pais eram daqui. Disse que era para eu procurá-los e fazer com que soubessem da minha existência. Não entendo por quê. Só isso?
– É só. Me desculpe, eu sou muito curiosa. Vai ficar muito tempo aqui?
– Só o tempo suficiente de encontrar meus pais, que nem sei se estão vivos, ou até meu dinheiro acabar.
Eulália sentiu uma pontada no peito, sabia que não deveria ter perguntado aquilo a ele, que certamente não gostava de falar sobre o assunto.
– Quanto é?
– Quanto é o quê? – Fernando não entendeu o que Eulália quis dizer.
– O conserto!
– Não é nada. Foi apenas uma gentileza.
– Faço questão de...
– Não – ele a interrompeu, aflito – Eulália, vou ser sincero. Eu consertei esta maçaneta só para te ver. Na noite de Natal eu me encantei com sua beleza, tive a impressão de sermos ligados há muito tempo. Sua mãe já havia comentado que você só costumava ir à confeitaria procurá-la ou para tratar da contabilidade e que não ficava lá por muito tempo; então achei que não teria outra chance de conversar com você. O defeito da maçaneta foi a desculpa para eu voltar aqui. Mas não imaginava que sua mãe fosse sair antes de eu chegar, não pense mal de mim, por favor.
Eulália tinha uma expressão atônita no rosto, mas por dentro estava radiante com a confissão repentina do rapaz. Ele completou:
– Não se sinta culpada por sua curiosidade e ter me perguntando sobre meus pais, eu não ligo, também sou muito curioso, sei como é...
Foi interrompido com um beijo de Eulália, que saltou em seu pescoço, como que por instinto. Mas logo voltou a si, soltando Fernando. O telefone tocou e ela corre para atender enquanto Fernando pega suas coisas e sai pela porta.
– Alô? – Eulália atende ao telefone ofegante.
– Acorda, Lali! – como sempre, Bianca.
– Já estou bem acordada.
– Como assim? Você dorme até tarde! Por que está falando desse jeito?
Eulália não responde.
– Lali? Você está bem?
– Estou.
– Então aproveita que está cedo e vamos até à confeitaria ver o Fernando, ele não deve estar fazendo nada de importante agora, eu percebi que você realmente gostou dele.
– Não precisa.
– Como assim não precisa?
– Ele acabou de sair daqui.
– Como assim acabou de sair daí? É o que eu estou pensando?
– É, não tudo o que você está pensando, mas é.
As duas ficaram meia hora falando no telefone, Eulália contando os detalhes do que havia acontecido e Bianca especulando sobre o futuro dos dois.

Nos quatro dias seguintes, quem vai à confeitaria é Bianca, para finalizar as encomendas para a festa de ano novo. Eulália não punha os pés lá, com vergonha, mas tinha notícias de Fernando através da amiga. Bianca não falava com ele, mas o observava de longe. Eulália permanecera trancada no quarto, ora pensando em seu pai, ora lendo um romance.
Na tarde do último dia do ano, Eulália escolhia a roupa para a festa de ano novo quando ouve a campainha tocar. Ela vai atender e se surpreende com quem está à porta: Fernando.
– Eulália, sua mãe pediu para chamá-la, ela precisa de ajuda na contabilidade.
– Está bem, deixa só eu ajeitar umas coisinhas que estava fazendo.
Mentira. Eulália foi ao banheiro arrumar o cabelo, colocar um perfume e escovar os dentes. Acompanhou Fernando até à confeitaria, sem trocar uma só palavra com ele. Estava louca para perguntar como ele estava, se tinha sentido falta dela, se ao menos quis vê-la novamente. O silêncio foi quebrado com um murmúrio de Fernando.
– O que você disse? – ela perguntou
– Nada. Por quê? O que achou que eu tinha dito?
– Não entendi, por isso te perguntei.
Ele mais nada disse, voltando ao trabalho. Sofia chamou a filha para fazer a contabilidade e o balanço geral dos pedidos.
– Você e Bianca não saem do telefone, não é? Nem parecem que moram uma perto da outra! – diz Sofia, como se estivesse dando bronca na filha.
– Não entendi. Nem falei com a Bianca hoje.
– Como não? Eu pedi ao Fernando para ligar lá para casa, estava precisando da sua ajuda urgente! Ele me disse que só dava ocupado, então eu pedi para ele ir até lá te chamar.
Na hora Eulália entendeu a intenção de Fernando. De pronto largou o que estava fazendo e foi até ele. Tocou-lhe as costas, fazendo-o se virar. Ele a viu sorrindo e sorriu também. Naquele momento Eulália entendeu que ele queria beijá-la de novo. Fernando perguntou se ela participaria da festa e se ele poderia ficar com ela lá. Eulália confirmou.
Às oito da noite, Eulália havia terminado de fazer a contabilidade e chegou à conclusão de que a confeitaria havia lucrado razoavelmente naquele fim de ano. Sofia disse para ela ir para casa se arrumar e que iria logo em seguida, assim que fechasse a confeitaria. Eram quase dez horas quando Eulália e a mãe estavam prontas para a festa de ano novo de Celestina. Álvaro as aguardava na sala; sempre passava a virada do ano com Sofia e a sobrinha, já que a festa era feita na rua, diferente do Natal. Os três então foram para a praça principal, onde estava montada a grande mesa da UniverCel, com toda a comida e a bebida da festa. Havia muitos doces, bolos e champanhe. Eulália, como sempre, foi de encontro à Bianca. Conversava com os colegas de faculdade da amiga, alguns deles se insinuando. Foi surpreendida ao sentir sua cintura ser abraçada e ouvir um sussurro:
– Boa noite, linda.
Ela viu os encantadores olhos negros de Fernando. Respondeu com um abraço. Os dois permaneceram juntos por um tempo, para surpresa de todos. Os colegas da melhor amiga de Eulália se entreolhavam, os moradores da pensão comentavam e Bianca ria da situação. Todos estavam se divertindo.
Eulália puxou Fernando pelo braço, saindo discretamente do meio da multidão e levando-o até sua casa. Lá, sem que as luzes fossem acesas, eles subiram para o quarto dela. Fernando a abraçou por trás e começou a beijar seu pescoço. Eulália simplesmente se virou e beijou Fernando. Os dois foram caminhando até a cama. Ela começou a se despir, deixando os seios à mostra. Fernando a deitou na cama, apalpando-lhe um seio. Ele tirou a própria roupa e terminou de tirar a dela. Os dois estavam ali, nus, querendo sentir arder a pele.
A moça não se sentia mais em um romance do fim do século XIX, afinal aquele não era seu tempo, não se sentia culpada. Também não sabia se estava possuída, não se entendia. Ao mesmo tempo, Fernando abria suas pernas, suavemente, acariciando-lhe as partes íntimas. O rapaz deitou-se sobre ela, beijando seu corpo esguio e fazendo-a se arrepiar por completo a cada movimento. À meia-noite, ouvindo os fogos e as vozes das pessoas na rua, Eulália sentiu ser penetrada pela primeira vez. Era uma sensação inicialmente dolorosa, mas que trazia um prazer que ela jamais imaginou que pudesse sentir.

Como se tudo fosse um sonho, Eulália abre os olhos e se sente mais feliz do que nunca. Mas logo desperta e levanta, aflita por perceber que era realidade, sacudindo o rapaz que dormira a seu lado.
– Fernando, acorda! Já é dia claro! Levante antes que minha mãe te veja aqui!
– Ai! – ele dá um pulo da cama – O que eu fiz? Se a patroa me pega eu perco as chances de ficar com um emprego fixo!
Eulália o ajuda a se vestir, empurrando-o involuntariamente, para que possa sair depressa. Descem as escadas devagar e silenciosamente, mas a tentativa fora em vão. Sofia estava na sala, sentada, tomando o que parecia ser um chá. A mãe de Eulália encara os dois, notando a expressão de medo do rapaz e de vergonha da filha. Soubera que Fernando havia dormido com sua filha antes mesmo de ir se deitar na noite anterior.
– Vamos, rapaz. Tire essa cara amarrada – lhe brotara um sorriso suave – e vá se arrumar. Também fui jovem, não vou brigar com vocês. Fique para almoçar, Fernando. Temos muito que conversar agora, afinal de contas você vai ter que casar com a minha filha.
Ele sentiu um frio na espinha, mas logo percebeu que era brincadeira de Sofia. Eulália sorriu aliviada e abraçou a mãe, como se estivesse pedindo desculpas, enquanto Fernando subia as escadas. No instante em que Eulália se virava para arrumar a mesa do café, Sofia teve um desmaio. Segundos depois foi acordada com água fria – sua filha havia se desesperado.
– Mãe, a senhora está bem?
– Sim, estou sim, pode deixar.
– A senhora está ardendo em febre – disse Fernando
Eulália foi chamar Mário, seu vizinho médico. Ao examinar Sofia, Dr. Mário constatou que ela provavelmente tinha uma infecção branda e receitou alguns remédios. Disse também que o estresse estava piorando o estado de saúde da mãe de Eulália, pedindo para ficar a sós com a paciente. A filha de Sofia pede que Fernando fique com ela até a mãe melhorar.
Ao anoitecer, Fernando diz à namorada – sim, Lalinha estava namorando! – que devia voltar à pensão, mas que na manhã seguinte bem cedo voltaria para vê-la e saber como estava sua mãe. Sofia estava deitada em seu quarto, descansando. Bianca chega, já sabendo do ocorrido com a mãe da melhor amiga. Eulália explica o que o médico havia dito e que o estresse das encomendas de fim de ano agravou a situação. Bianca logo muda de assunto:
– Mas me conta, para onde você e o bonitão foram? Vocês sumiram antes da virada do ano.
– Nós viemos para cá.
– Como assim vieram para cá? Não me diga que...
– Sim, nós dormimos juntos.
Bianca solta um gritinho estridente, muito mais agudo que sua voz, parecendo ensurdecer a amiga.
– E vocês... Não... Ou... – Bianca estava prestes a explodir de ansiedade.
– É, Bianca, aconteceu sim.
– Mentira! Eulália Manoli dormiu com um homem! Não posso acreditar nisso! Vocês estão namorando? Quero detalhes!
– Ai, Bianca! Deixa de ser boba...
Eulália contou a Bianca detalhes de como acontecera sua primeira noite de amor. Já era tarde da noite quando Bianca finalmente decidiu ir embora, feliz pela amiga.
Abrindo sua caixinha de objetos secretos, Eulália pega o envelope azul e as fotos que seu pai havia devolvido antes de morrer. No mesmo momento, Sofia entra no quarto e vê o que a filha tinha nas mãos. Começa a gritar desesperadamente por Paulo, praguejando e perguntando por que ele havia contado a filha sobre o envelope. Eulália tenta acalmar a mãe, que, enfurecida, lhe empurra com força.
– Não! – Eulália grita, despertando de seu pesadelo.
Ela desce até a cozinha para tomar um copo de água, quando escuta sua mãe conversando com alguém:
– Mas achei que isso não fosse mais acontecer. Não na minha idade.
– Sofia, agora não tem como mais esconder.
Eulália volta, sem fazer um ruído sequer. Reconhecera a voz de seu tio Álvaro.

O espelho refletia a imagem de uma outra mulher. Eulália se olhava, sorria e não acreditava que estava com Fernando. De uma outra forma, tentava entender o ocorrido na madrugada. O que sua mãe estava escondendo? Por que Álvaro sabia e ela não? Lembrou do seu pesadelo e imaginou que, de alguma forma, o envelope azul poderia estar relacionado com o segredo de Sofia, afinal de contas sabia muito bem quem eram as pessoas na foto. Estava confusa. Desceu as escadas e, ao chegar na sala, não olhou para o rosto da mãe, sabia que Sofia notaria sua aflição. Assim que terminou o desjejum, a mãe de Eulália levantou-se e saiu de casa, era o segundo dia do ano, tinha que cuidar da confeitaria. Mesmo trocando só um “bom dia” com a filha, Sofia notou um tom diferente nas palavras dela; talvez fosse preocupação dela pela mãe estar doente e ter que ir trabalhar. Eram exatas nove horas quando Fernando tocou a campainha.
– Bom dia, linda! Não devo demorar, vou acertar as contas com sua mãe daqui a pouco. – disse Fernando, cumprimentando a namorada também com um beijo.
– Tudo bem, não poderei lhe dar muita atenção, tenho que limpar e arrumar a casa.
– Linda, me tira uma curiosidade: por que vocês não têm empregados? Esta casa é tão grande... E vocês duas, aqui, sozinhas...
– Papai e vovô não gostavam de empregados, minha mãe sempre deu conta do trabalho de casa e eu sempre a ajudei. Como ontem ela passou mal, algumas tarefas ficaram acumuladas.
– Entendo. Vou para a confeitaria e depois vou até à pensão também acertar alguns atrasos com Dona Margarida. No fim da tarde eu volto aqui para te ver.
Ela respondeu com um gesto e um beijo. Fez as tarefas de casa e, quando terminou, subiu para o seu quarto, onde ficou lendo o resto da manhã. Em certa hora, Eulália abriu sua caixa de objetos secretos e pegou o envelope. Não conseguiu abri-lo desde que o pai devolvera antes de morrer, parecia ter medo de ver as fotos. Colocou tudo de volta no lugar e se deitou, refletindo até adormecer. Foi acordada com o barulho do telefone, era Bianca avisando que iria lá. Eulália estranhou – a amiga nunca avisava antes de ir até sua casa – e em seguida entendeu a atitude da amiga. Antes que pudesse se levantar, Bianca já estava no quarto.
– Lali, como que está sua mãe?
– Minha mãe está bem, mas ontem de madrugada aconteceu uma coisa muito estranha.
Eulália contou com detalhes à amiga sobre seu pesadelo e a conversa que ouvira entre seu tio e sua mãe.
– Ai, Lali... Muito estranho, no meio da madrugada! Vá conversar com sua mãe...
– Eu vou, prometo. Não vai demorar.
– Concordo. Agora vou para casa, só vim aqui te ver e saber como sua mãe estava.
As duas desceram a escada, Eulália agora tinha que levar a amiga até a porta, a maçaneta não tinha mais defeito. Assim que a porta foi aberta, Fernando já estava prestes a tocar a campainha. Bianca deu um sorriso malicioso e foi embora, enquanto ele entrava. Subiram direto para o quarto, onde ficaram por um tempo trocando carinhos e conversando sobre a confeitaria.
Quando a noite começou a cair, Sofia chegou em casa, chamando a filha para jantar. Ficou surpresa ao ver Fernando e, aproveitando a ocasião, o convidou para morar lá, em troca de cuidar dos serviços pesados tanto da casa quanto da confeitaria. O rapaz disse que não poderia, repetindo a frase da noite de natal. Sofia explicou que sabia das dificuldades dele na pensão e que àquela altura todos na rua estavam comentando sobre o rapaz e sua filha, afinal os dois sumiram da festa e no dia anterior ele voltou para pensão com a mesma roupa. Após o jantar, o casal subiu para o quarto.
– Você me disse que nunca precisaram de empregados, por que sua mãe quer que eu fique aqui?
– Disse certo, meu bem: nunca precisamos. Mas minha mãe agora está doente. Se ela acha que precisa, sabe o que faz. Além do mais, vou adorar ter você aqui comigo, todos os dias!
– Não é certo uma moça namorar seu empregado.
– Não tenho esse tipo de distinção.
Fernando não disse nada, apenas beijou Eulália. Ela o largou, levantando-se da cama. Puxou o namorado até o banheiro, trancando a porta por dentro. Disse para ele tirar a roupa e se despiu. Os dois foram para o chuveiro; banhavam um ao outro. Beijavam e abraçavam-se de tal forma que pareciam um só. Trocaram carícias íntimas, não só com as mãos. Eulália fechou o chuveiro e levou o namorado para a cama, ainda molhado. Dessa vez, ela ficou sobre ele para ser penetrada, alternando os movimentos entre suaves e rápidos. Ela estava em êxtase extremo, não sentia dor. Soubera ter seu primeiro orgasmo.

O casal acordou trocando carinhos e palavras apaixonadas, rindo da situação de Fernando, que teria de ir até à pensão com a mesma roupa do dia anterior. Sofia deu o dia de folga ao rapaz para que ele fizesse sua mudança – ficara com o antigo quarto de hóspedes. Fernando chega com suas coisas antes mesmo do almoço. Eulália estava ajudando o namorado a pôr suas malas no quarto quando foram surpreendidos pelo grito de Sofia:
– Lalinha! Me ajuda! Corre aqui!
Ambos correram até a sala, amparando Sofia, que desmaiara outra vez e tinha sangue pelas pernas. Sua filha chamou uma ambulância. Da recepção da clínica, Eulália ligou para seu tio Álvaro; O médico plantonista revelara que sua mãe havia sofrido um aborto. Álvaro chegou sem demora, descobrindo pela sobrinha o que ocorrera com Sofia. Ele escondeu o rosto que estava molhado por lágrimas.
A enfermeira avisou a Eulália que poderia entrar no quarto em que sua mãe estava, ainda desacordada. Fernando disse que a esperaria do lado de fora. Eulália fica um tempo no quarto, quase imóvel, olhando para o rosto da mãe, que parecia pronunciar algumas palavras. Resolveu chamar o médico, mas hesitou ao entender o que a mãe dizia:
– Por quê? Já é o segundo filho que Deus nos leva! Álvaro, não deixe que isso aconteça de novo! Por favor!
No mesmo instante, Eulália lembrou-se da conversa que ouvira entre a mãe e o tio e saiu do quarto, procurando por ele. Seu namorado disse que Álvaro fora embora sem se despedir. A filha de Sofia caiu em prantos, contando ao namorado a conclusão em que chegara: sua mãe estava grávida de seu tio.

A mãe de Eulália ficou em observação no hospital por dois dias, até que estivesse recuperada para voltar para casa. Assim que Sofia chegou em casa, sua filha perguntou se ela estava se sentindo bem para ter uma conversa séria. Sofia confirmou.
– Mãe, eu sei que você estava grávida do meu tio.
– É verdade. – respondeu Sofia, com uma expressão triste.
– Eu ouvi você dizer que era o segundo filho que perdeu. O segundo filho com meu tio. Por quê?
– Acho que chegou a hora de você saber de toda a verdade.
– Estou preparada para ouvir. – Eulália se sentou na beirada da cama, novamente perguntando se a mãe estava em condições de ter a conversa naquele momento.
– Eu sempre morei nesta casa e sua avó sempre gostou de flores. Nós tínhamos dois empregados: Firmina que era nossa governanta e Geraldo, nosso jardineiro. Os dois eram casados tinham um filho da minha idade. Quando eu tinha seis ou sete anos, minha mãe morreu por complicações no parto do meu irmão, que também não resistiu e morreu dias depois. Papai dizia que após a morte da minha mãe eu comecei a gostar das flores como ela. Me apeguei muito à Firmina, que me ensinou a cozinhar e se tornou minha segunda mãe. Seu Geraldo cuidava muito bem do jardim. O filho deles brincava junto comigo, éramos como irmãos, crescemos juntos.
“Pouco antes de completar a sua idade, seu Geraldo faleceu e seu filho ficou com o trabalho. Não demorou a nos apaixonarmos. Após um tempo fiquei grávida. Papai, por ser muito conservador e antiquado, mandou embora Firmina e seu filho, alegando que jamais admitiria criar o filho de um empregado. Seu avô me manteve trancada em casa para que ninguém soubesse da minha gravidez e disse a todos, inclusive a Paulo, com quem papai queria que me casasse, que eu fazia uma longa viagem. O bebê era um menino e duas semanas após seu nascimento, papai o levou para adoção. Antes que fosse embora, eu consegui deixar com o menino uma medalhinha que minha mãe havia me dado quando eu ainda era bebê.”
“No ano seguinte fiz a vontade de seu avô e me casei com Paulo. Continuamos a morar aqui, não quis me distanciar das flores do jardim. Logo fiquei grávida de você e te batizei de acordo com a escolha do pai do meu primeiro filho. Assim que você completou dois anos seu avô morreu, pois já estava velho. Decidi contar a Paulo sobre a criança, mas jamais disse quem era o pai. Então ele me ajudou a procurar pela família que adotara o menino. Encontramos a tal família, mas a mulher que nos recebeu disse que a criança estava morta. A mesma mulher me deu uma foto do menino, ainda bebê, segurando a medalhinha. Eu guardei esta foto junto com a foto do filho dos empregados e eu em um envelope azul que desapareceu há muito tempo. Na mesma época Álvaro voltou, ficando radiante com a escolha de seu nome.”
Sem dizer nada, Eulália sai do quarto da mãe, não tinha perguntas em sua mente. Decidiu que não era hora de contar que o envelope ainda existia e estava guardado com ela. Não conseguia acreditar que sua mãe e seu tio Álvaro sempre se amaram. Finalmente entendeu porque ele era seu segundo pai. Ligou para Bianca – queria conversar com a melhor amiga antes de contar a história a seu namorado.
Mais tarde, depois de contar à melhor amiga a conversa que tivera com a mãe, Eulália foi até o quarto do namorado. Contou a ele também toda a história, começando pela sua festinha de aniversário de oito anos. Fernando estava apático. Sem dizer uma só palavra, levantou-se e abriu uma maleta, de onde tirou uma medalhinha, fazendo Eulália correr até seu quarto, seguida pelo rapaz. Lá, ela abriu sua caixinha de objetos secretos e pegou o envelope azul. Pela primeira vez em mais de três anos ela teve coragem de abri-lo. Teve uma surpresa: além das fotos, no envelope havia um papel dobrado.
A letra era de Paulo. Na carta, o pai de Eulália confessava que sabia que o primeiro filho de Sofia estava vivo. No passado, oferecera dinheiro à mulher que cuidava da criança. Eulália olhou para a foto do bebê e viu o que temia: era a mesma medalha de Fernando. Os fatos começavam a fazer sentido. Um filme passou em sua cabeça: lembrou-se de quando o pai disse que aquele era seu maior pecado; da mesma frase de seu tio e Fernando sobre passar o Natal na casa delas; de o rapaz dizer que sentia-se ligado a ela por muito tempo; sabia ter visto aqueles olhos negros antes. Eulália começou a chorar, abraçando, a partir dali, o único irmão.
Sofia descobriu toda a verdade através de Eulália na mesma noite. De início, sentiu uma profunda tristeza, mas que logo foi tomada pela alegria de saber que seu filho estava vivo.

Nos dias que se seguiram, Sofia reconheceu Fernando como seu filho, agora também dono da Manoli. Não demorou muito para que Bianca confessasse à melhor amiga gostar de seu irmão. Eulália achava estar ficando doente com todos os acontecimentos. Depois de um dia de trabalho na confeitaria, Eulália ligou para o vizinho médico a fim de solicitar uma consulta.
– Alô? Por favor, o Dr. Mário?
– Sou eu. Quem deseja?
– Eulália, doutor. Queria me consultar com o senhor.
– O que você tem, minha filha?
– De uns dias para cá, eu venho sentindo náuseas e tonturas. Acho que deve ser por conta do estresse dos últimos dias.
– Venha até minha casa daqui à uma hora, está bem?
– Sim. Obrigada pela atenção, até mais.
Ao sair da casa do médico, Eulália encontra seu irmão e Bianca. Ali mesmo os dois contam a novidade: estavam juntos. Ela dá um sorriso amarelo e se vira, levando as mãos à barriga, onde crescia o fruto de um pecado que cometera sem saber.

Frio sentimento presente

06/04/2008 00:00

A cor se perde em cinza
Sussurra a brisa,
Nada se vê, à luz
Gritos de perto, ouvir ainda;
Amargas perturbações impossíveis
Em transe, a espada
Pulsos acorrentados
De tão intocada.

O frio do sentimento
Vivo, presente;
Tal voz aguda
Crava espinhos na alma
Que não sangra, não chora
Tão seca e distante
Seria destruição monótona
A dor, não mata;

Implora, vá embora
Tortura que rasga;
A lápide está ao lado
Não deixa cair nas pedras.
Escapa o perdão
Ódio do mundo;
Domina o corpo, em flores,
O cheiro do desejo impuro. 

by Me